terça-feira, 28 de junho de 2011

Os desafios do Saneamento Básico no Brasil - parte 2

Léo Heller[i] e Júlio César Teixeira[ii]
Ainda, destacamos que a evolução da cobertura pelos serviços públicos de saneamento seguiu a tendência de vários dos serviços essenciais no Brasil, marcada pela exclusão e pela desigualdade. É nítida, por exemplo, a relação entre renda familiar e acesso aos vários serviços de saneamento básico. Ou seja, a situação do saneamento alimenta o perverso ciclo da pobreza e da desigualdade: o cidadão mais pobre tem menor chance de acesso a uma adequada solução sanitária; pior a solução sanitária, maior a chance de comprometimento de sua saúde e dos membros de sua família; maior comprometimento da saúde, maior o absenteísmo escolar e ao trabalho e maior o comprometimento do orçamento com saúde.
Perante esse quadro, cabe indagar: por que o País não logrou universalizar o acesso a um serviço com a essencialidade do saneamento básico?
Uma primeira hipótese localiza-se no campo das técnicas, ao identificar na carência de seu desenvolvimento a principal fonte dos problemas. Nesta hipótese, sobressaem apelos para o aprimoramento das tecnologias, constatações de ineficácia dos projetos de engenharia ou a formulação de programas de capacitação dos profissionais envolvidos nos serviços.
Uma segunda hipótese valoriza a dimensão econômica do setor, localizando no investimento público insuficiente a principal raiz dos déficits. Os discursos apontam para a necessidade de maior volume de investimentos onerosos e não onerosos federais e para a flexibilização das regras que limitam a capacidade dos serviços em captar recursos públicos.
Uma terceira hipótese coloca o problema a partir de uma perspectiva de política pública. Essa corrente valoriza o aprimoramento de marcos legais e da organização institucional, colocando a gestão dos serviços no caminho crítico do sucesso da sua prestação. Propugna pelo planejamento e avaliação, pelo controle da sua prestação pela sociedade, pela regulação e fiscalização, entre outros fatores políticos, gerenciais e administrativos.
A pergunta, após esta descrição, poderia ser: qual hipótese é a verdadeira?
Em relação ao clamor por mais e mais recursos financeiros, não se pode negar que a eliminação do déficit pelos serviços requer a implantação de obras, onde as unidades de saneamento não existem ou onde estão inadequadas ou obsoletas. Contudo, pode-se afirmar com alguma segurança que nos últimos anos tem havido um aporte de recursos financeiros federais em volume superior à capacidade do setor em bem utilizá-los. No setor, não são raras as obras desnecessárias, aquelas sem os devidos cuidados técnicos, as utilizadas para a formação dos famigerados “caixa dois” para as campanhas eleitorais, as originárias das também famigeradas emendas parlamentares desconectadas com o planejamento setorial ou aquelas úteis para a prática da corrupção. Ou seja, recursos financeiros sim, mas recursos em um contexto institucional adequado e comprometido com a visão pública, que permita seu emprego eficiente.
Garantir a universalização do acesso ao saneamento básico para os brasileiros, com base nos princípios da equidade e da integralidade, apenas será alcançado por meio de uma visão sistêmica do setor. Apenas o clamor pela técnica assegurará boas soluções, mas sem o alcance social necessário. Apenas a disponibilização de recursos, no melhor dos mundos, apenas assegurará a implantação das obras, mas não a sua sustentabilidade no tempo, fator notoriamente crítico para os sistemas de saneamento básico. Em síntese, alcançar o cenário desejado para o setor impõe transpor seus gargalos. E estes se encontram sobretudo no campo das políticas públicas adequadamente formuladas e implementadas, da organização institucional, da gestão dos serviços, do planejamento estratégico, do controle social, do reconhecimento da intersetorialidade necessária e da interdisciplinaridade capaz de fornecer resposta aos complexos desafios.


[i] Professor da Escola de Engenharia da UFMG
[ii] Professor da Faculdade de Engenharia da UFJF

Nenhum comentário:

Postar um comentário